À semelhança dos anos anteriores, voltámos a estar presentas na sessão comemorativa do 25 de abril em Sintra.
Os nossos vereadores, Marco Almeida, Paula Simões, Andreia Bernardo, Carlos Parreiras e Márcia Chiolas, associaram-se à entrega das medalhas de mérito municipal a personalidades e instituições que servem as nossas comunidades.
Lembramos o 25 de abril através deste texto de Francisco Sousa Tavares:
“Foi para mim um dia longo e emotivo: às 4h da madrugada, o telefonema dum sobrinho – Bernardo Castelo-Melhor – avisou-me que, de meia em meia hora, o Rádio Clube Português emitia um comunicado do Movimento das Forças Armadas, no qual se falava em liberdade e se apelava à calma e à adesão do povo. (…).
Não pude conter a minha impaciência e fui para a rua. (…) No Largo do Carmo estava a força de Santarém e estava sobretudo Salgueiro Maia. Nas longas horas que com ele ali vivi e confraternizei, pude apreciar a tranquila audácia dum homem que, com duas autometralhadoras e centena e meia de recrutas, estava a destruir 50 anos de História, de farroncas de força e de poder, mantendo em respeito uma força profissional e adestrada como era a Guarda Nacional Republicana. Salgueiro Maia estava cercado; pelo Rossio quase até ao alto da Calçada do Carmo, pela Rua da Trindade e Largo da Misericórdia, onde se encontravam entrincheiradas as forças da GNR. No Chiado, até aos largos, os blindados hostis de Cavalaria 7, e julgo recordar que também da Cavalaria 2 e Metralhadoras. (…) Levada pelo sopro da liberdade, a multidão acorria e o quadro do povo expressava ali a vontade da Nação contra qualquer veleidade de repressão sangrenta. Maia, audacioso e sereno, pediu-me que falasse ao povo. Fi-lo por duas vezes, uma através dos microfones dum camião da Rádio e, mais tarde, com um megafone, empoleirado na guarita da sentinela do Carmo (…). A certa altura, falei a Maia do cerco potencial em que se achava envolvido e na evidente necessidade de não prolongar indefinidamente a tomada do Carmo, onde Marcelo e parte do governo se encontravam, guardando com eles o selo da soberania e do poder. Foi então que pude medir a dimensão extraordinária daquele homem. Respondeu-me na calma: “Sabe, estes homens que eu trago não sabem atirar e o seu manejo de armas é totalmente incipiente; o que você diz também me preocupa, mas pode-me fazer um favor – ficou de vir ter comigo, aqui ao Carmo, a força revolucionária de Estremoz, de Cavalaria 3, que é importante e já cá devia estar. É comandada pelo capitão Ferreira, está atrasada e tenho receio de que, conhecendo mal Lisboa, não saiba o caminho.”
Fiquei no Carmo até à rendição do governo. A partir daí, a euforia da vitória inundou Lisboa.
Parti imediatamente e tive a sorte de encontrar Cavalaria 3 na Rua Castilho. Tomei lugar no carro de comando com o capitão Ferreira e voltámos para o Carmo o mais depressa possível. No Largo da Misericórdia, depois duma conversa de Ferreira com o capitão ou major que comandava a GNR entrincheirada, levantou-se o cerco para nos deixar passar.E mal chegou Estremoz, Maia sentiu-se em posição de enviar um ultimato de rendição ao quartel e lançar dois tiros de aviso à fachada, perante o entusiasmo incontido da multidão que gritava: “Está na hora! Viva a Liberdade!”
Meu futuro genro, Francisco Ribeiro Teles (…) vinha como miliciano com as tropas de Maia – onde só havia voluntários. Confirmou-me,
no telhado dum edifício do Carmo onde o fui ver, que era verdade a condição de recrutas com instrução quase nula dos soldados comandados por Salgueiro Maia. (…)
Fiquei no Carmo até à rendição do governo. A partir daí, a euforia da vitória inundou Lisboa, mas não pude esquecer que, em Caxias, se encontravam os presos políticos, sem ordem de libertação e às ordens da PIDE.
Procurei instruções no Rádio Clube e aí conheci Costa Gomes, simpática figura de homem, de militar e de revolucionário, que me disse não haver a menor possibilidade de destacar forças para Caxias, além do problema jurídico inerente à libertação, e que me deu como conselho a efectuação duma vigília popular em torno da prisão. Só no dia seguinte, 26 de Abril, um grupo de advogados de que fiz parte encetou, às 9h da manhã, uma batalha em sucessivos debates e episódios, uns sérios, outros cómicos, até conseguir a libertação total de todos os presos, entre eles o grande obstáculo que era Palma Inácio, defendido brilhantemente por Salgado Zenha. A libertação deu-se já à noite, e à luz dos archotes, os presos levados em triunfo, os cantos revolucionários, o entusiasmo da imensa multidão que se juntara desde a véspera constituiu um espectáculo de beleza rara e duma emoção que ainda hoje me comove, me inebria e me faz sentir feliz, por ter cumprido, como português e como homem, tudo o que me foi possível e me foi pedido para libertar Portugal.”
27 de Abril de 1991