O processo relativo ao licenciamento do projeto do Hotel da Gandarinha foi marcado por polémica e contradições por parte das entidades externas e serviços municipais nas avaliações que produziram e nos pareceres que foram emitidos.

Em abono da verdade, vale a pena ter em conta o papel decisivo da sociedade civil na denúncia e na defesa da paisagem histórica de Sintra. Goste-se ou não, a verdade é que sem ela este assunto teria tido menos escrutínio e por isso menos esclarecimentos quanto à responsabilidade de cada um.

Esclareça-se que a construção de uma unidade hoteleira dimensionada e adaptada ao local e que respondesse às exigências que se colocam em termos turísticos, aumentando a oferta de alojamento em Sintra, nunca esteve em causa.

Nesta circunstância, vale a pena referir que se em julho de 2013 o licenciamento foi travado ao abrigo da caducidade da licença para a realização da obra, caberia ao atual Presidente de Câmara, Basílio Horta, a sua alteração, revogando aquele despacho, tendo sido emitido o alvará em maio de 2016.

Merecerá ainda referir a este propósito a recente instauração de novo procedimento administrativo pelo Ministério Público para aferir da legalidade da revogação da referida caducidade (in DN, 31-01-2019).

Recusamo-nos a aceitar que surja recorrentemente invocado o perigo de desabamento em que se encontrava o imóvel ou a ferida na paisagem provocada por aquela ruína, quase como se esses motivos pudessem por si mesmos ser facilitadores do processo de licenciamento, que uma afirmação do Presidente de Câmara na Reunião Camarária de 22 de janeiro volta a corroborar: “

(…) Se a Câmara não tivesse aprovado o hotel, tínhamos que investir 1 Milhão de Euros para recuperar a ruína que estava a cair para a estrada…”

Essa não pode nem deve ser a desculpa porque existem meios coercivos para obrigar o proprietário a garantir as necessárias condições de segurança, ou melhor ainda, estímulos à construção, mas dentro de moldes aceitáveis.

“Fomos discutir com eles, descemos a área de construção, obrigámo-los a construir os 110 lugares de estacionamento (…), foi afirmado pelo Presidente Basílio Horta.
(in Ata nº2/19 de 22 de janeiro)

E precisaria:

“Não há estacionamento na Vila, por isso, se querem fazer o Hotel, têm de garantir que há estacionamento para os hóspedes e outras pessoas, sem possibilidade de recusarem….”
(Basílio Horta, Ata nº2/19 de 22 de janeiro)

Para além de eventuais responsabilidades do passado, o que importa é que nos centremos no despacho de embargo, no relatório que o suporta e na sua temporalidade.
É que acima de tudo não deixa de surgir curioso atentar naquilo que se viu afirmado no âmbito duma resposta a uma munícipe que interveio na referida reunião:

“(…) Já fui lá duas vezes, a Polícia Municipal tem ido várias vezes para ver se está de acordo com o aprovado e realmente está.”
(Basílio Horta, Ata nº2/19 de 22 de janeiro)

Recorde-se que esta afirmação eivada de convicção face à alegada conformidade da obra foi proferida pelo Presidente Basílio Horta a 22 de janeiro.
E 24 dias depois, foi pelo mesmo Presidente exarado o embargo!
É caso para dizer que o que era deixara afinal de ser, ou então aquilo que já era confirmou-se ser!

Dito isto e escancarada a surpresa que tal suscita, exige-se que se clarifique que, identificadas obras para além daquelas que se encontram licenciadas, nos recusamos a concordar que as mesmas sejam alvo de licenciamento favorável, sobretudo no corpo norte da obra em que a fiscalização deteta maior volumetria dedicada ao estacionamento, sendo sobretudo aí que o pomo da discórdia se revela mais incisivo.

Não pode a Câmara, sobretudo não deve, permitir que a infração seja viabilizada.

Permitir aqui é aceitar que no futuro os promotores de uma outra qualquer obra particular alterem projetos sabendo de antemão que a Câmara acabará por tolerá-lo, permitindo a sua correção em momento de apresentação de alterações ao projeto licenciado.
Dito de outra forma, é abrir a porta para que a cartilha seja a de se apresentar projecto em moldes licenciáveis, depois de licenciada a obra se altere a gosto e que, quando confrontados face à desconformidade, se assuma e se requeira a sua viabilização, na convicção de que a Câmara acabará por licenciá-lo… mesmo se a contragosto.

Por fim, uma reflexão e um desafio:

No arranque de cada mandato instalou-se a prática da Câmara delegar todas as competências em matéria urbanística no Presidente de Câmara.
A forma como decorreu este processo leva-nos a questionar essa metodologia.
Fará sentido que caiba a uma só pessoa ficar responsável por decisões que comprometem irremediavelmente o futuro de Sintra e das suas comunidades?

E em nome da transparência de procedimentos, por que não tomar a iniciativa de tornar acessível a consulta do processo relativo ao Hotel da Gandarinha através do site da autarquia? Concorrer-se-ia para o esclarecimento daqueles que com toda a propriedade têm questionado os seus meandros…

Sintra, 26 de fevereiro de 2019
“Coligação JUNTOS PELOS SINTRENSES”